O Bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, Júlio César Martins, fez um balanço do sistema de justiça cabo-verdiano, afirmando que está marcada por estagnação, tendo necessidade de fornecer mais dados e de dar respostas adequadas aos desafios atuais. Conforme afirmou ao ser auditado pela 1ª Comissão Especializada de Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos, Segurança e Reforma do Estado, “pelos dados que temos em nosso poder, não há avanços significativos. Pelos vistos, trabalham no limite, cumprem o essencial, mas nota-se que tem uma margem reduzida de crescimento ou de transformação, como seria o nosso desejo”.
De
acordo com Júlio Martins os relatórios dos anos judiciais 2022, 2023 e 2024 apontam
que os tribunais cabo-verdianos tramitam em média cerca de 25 mil processos por
ano, sendo, aproximadamente 13 mil processos-crime no ano 2024-2025 e 11 mil processos
cível. O auditado afirmou que a taxa de resolução permanece praticamente
inalterada nos últimos três anos, “o que nos mostra essa tendência de
estagnação. Em outras palavras, analisando os números, por cada dois processos
que entram, apenas um é efetivamente concluído”. Para o Bastonário da
Ordem dos Advogados, esta estagnação revela que “a justiça não reduz o seu
passivo, porque tem-se mantido de forma estável”.
De
acordo com Júlio Martins, a vertente cível é o “coração da morosidade”,
afetando diretamente a vida dos cidadãos, através dos contratos, das dívidas,
das cobranças, das heranças, da família, e também no domínio do
direito laboral. Conforme apontou durante a audição parlamentar, os
números mostram que a resolução cível ronda em torno de 48 a 50%, que é
inferior à média global dos países que Cabo Verde tem como referência.
Um
dos principais problemas identificados pelo auditado é a falta de dados
fiáveis, organizados e públicos sobre o funcionamento dos tribunais, o que torna
“impossível” avaliar com precisão onde estão os bloqueios, quanto tempo demoram
os processos ou quantos aguardam pela sentença. “Sem dados não há evidência”,
afirmou, defendendo que a reforma da Justiça deve começar por uma recolha
sistemática e transparente das informações.
Outro
tema abordado foi o desempenho de alguns advogados, que segundo Júlio Martins,
têm recebido dinheiro dos clientes, não cumprindo os prazos e abandonando os
processos, o que compromete a credibilidade do sistema. Sublinhou que já foram
adotadas medidas disciplinares e de mediação para resolver estas situações,
incluindo a devolução de valores a cidadãos lesados.
No
que toca ao acesso à justiça, destacou as dificuldades financeiras do Estado
para garantir apoio judiciário, especialmente em ilhas com escassez de
advogados, levando a solicitação de verbas adicionais ao Ministério da Justiça
para regularizar dívidas acumuladas com a Ordem dos Advogados.
O Bastonário defendeu, por fim, a necessidade urgente de mudar de modelo: abandonar a gestão rotineira e adotar um sistema de “verdade e transparência total”, onde os dados sejam públicos, analisados e usados para orientar decisões e corrigir ineficiências. Recordou que, no ano passado, foi apresentada uma proposta de lei de gestão e eficiência processual, apelando para que os deputados olhem para esta iniciativa com “outros olhos”, sob pena de se continuar a debater os mesmos problemas sem alcançar resultados transformadores.