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I SESSÃO ORDINÁRIA DE JULHO | Debate parlamentar evidencia dissensos profundos sobre a gestão dos Fundos do Turismo e do Ambiente
Publicado em:10.07.2025
O Plenário da Assembleia Nacional foi, esta quarta-feira, palco de um aceso debate em torno do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a gestão do Fundo de Sustentabilidade Social para o Turismo e do Fundo do Ambiente. As divergências entre os deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e do Movimento para a Democracia (MpD) revelaram-se incontornáveis, com acusações cruzadas e leituras diametralmente opostas quanto à eficácia, lisura e transparência na aplicação dos referidos Fundos.

O deputado Albertino Mota (PAICV) questionou a validade das conclusões apresentadas por João Gomes (MpD), sublinhando que “não existe qualquer auditoria sobre a gestão desses Fundos no período de 2012 a 2016”, razão pela qual entende que carecem de fundamento as apreciações negativas produzidas pelo MpD. “Faltam elementos de confirmação das posições apontadas”, sustentou, sugerindo que o foco se volte para a atualidade, a qual classificou de uma “gestão precária” no que respeita à gestão pós-2016.

Por seu turno, Luís Carlos Silva (MpD) contestou a caracterização de “inconclusivo” atribuída ao Relatório por Albertino Mota, recordando que a Comissão Parlamentar de Inquérito teve por base a auditoria da Inspeção-geral das Finanças. Acusou a oposição de ter instrumentalizado a CPI com o intuito de “manchar a gestão dos Fundos, com o objetivo de criar um quadro de igualdade entre o antes e o depois de 2016”. Defendeu, de forma perentória, a existência de uma “diferença significativa entre o antes e o depois de 2016”, salientando que, a partir deste ano, passou a existir fiscalização efetiva, contrariamente ao período anterior, em que se registava, segundo afirmou, “partidarização no processo de distribuição dos Fundos”, e em que determinadas associações comunitárias dispunham de mais recursos do que algumas Câmaras Municipais da oposição.

Luís Carlos Silva sublinhou que, atualmente, “os recursos são transferidos para as Câmaras Municipais, que depois são auditadas”, apontando esta mudança como um “acelerador do processo de desenvolvimento no Poder Local”, reforçando que o Governo do MpD é “alinhado com o Poder Local”, ao contrário do PAICV, que, segundo afirmou, “não demonstrava ter confiança nos Municípios” enquanto foi Governo.

A deputada Rosa Rocha (PAICV) contrapôs, considerando que se está a criticar uma gestão que “já foi julgada” e cujas denúncias “não conseguiram estabelecer a prova de nada”. Classificou como “danosa” a gestão dos Fundos entre 2016 e 2023, o que motivou a reação do deputado Alcides de Pina (MpD), que a desafiou a apresentar “um exemplo de gestão danosa”. Alcides de Pina defendeu que, após 2016, o Governo instituiu regras que criaram “um quadro de previsibilidade” para a afetação dos recursos dos Fundos, através da submissão de fichas de candidatura, afirmando: “O Governo é sensível ao Poder Local. É um Governo alinhado com o Poder Local.”

O deputado Julião Varela (PAICV) convidou os cidadãos a consultarem o Relatório da CPI, sustentando que o mesmo terá sido “engavetado pelo Ministro das Finanças”. Afirmou ainda que o processo se encontra sob apreciação judicial, e enumerou alegadas irregularidades, como o financiamento de 498 mil contos sem projeto definido, a existência de 14 procedimentos por ajuste direto totalizando 222 mil contos, e 116 mil contos atribuídos por concursos restritos, alegadamente em desconformidade com os limites legais previstos no Código da Contratação Pública. “Espero que o Ministério Público esteja a analisar o caso, para as medidas adequadas”, concluiu.

Do lado do MpD, a deputada Isa Costa assegurou que, desde 2016, a gestão dos Fundos passou a pautar-se pela transparência, com delimitação clara das responsabilidades entre Governo, Municípios e Associações Comunitárias. Acusou ainda diversos deputados do PAICV de conflito de interesses, alegando que pelo menos 10 teriam dirigido associações comunitárias beneficiadas por financiamentos avultados, nomeadamente: 20 mil contos para a Associação de Achada Santo António; 8 mil contos para Achada Grande Trás; mais de 20 mil contos para a Associação Nha Duquesa; e idêntico montante para a Associação Lantuna.

Isa Costa denunciou igualmente a transferência de cerca de 50 mil contos, em 5 de fevereiro de 2011, para a Associação de Ribeira Barca, no interior do concelho de Santa Catarina de Santiago, no dia anterior às eleições legislativas de 6 de fevereiro de 2011. Segundo a deputada, o então presidente da associação recusou a devolução do montante, embora não tenha esclarecido o destino da verba. “Os recursos dos Fundos do Ambiente e do Turismo foram desviados para campanhas eleitorais”, declarou Isa Costa, reafirmando que “não é possível comparar as duas gestões”.

O debate prosseguiu com sucessivas intervenções e interpelações cruzadas, destacando-se ainda as participações dos deputados António Monteiro (UCID), Rosa Rocha (PAICV), Isa Costa (MpD) e Julião Varela (PAICV), num clima de acentuada polarização.

A sessão revelou, uma vez mais, a centralidade da transparência, da equidade na distribuição de recursos e do reforço do Poder Local como eixos essenciais do escrutínio parlamentar em torno dos Fundos de Sustentabilidade Social para o Turismo e do Fundo do Ambiente — instrumentos cruciais para o desenvolvimento sustentável das comunidades cabo-verdianas.

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