I
SESSÃO ORDINÁRIA DE MAIO
A declaração política proferida pelo PAICV na I Sessão Ordinária de Maio da Assembleia Nacional trouxe ao centro do debate parlamentar a problemática dos transportes marítimos e aéreos em Cabo Verde, sublinhando os persistentes desafios que continuam a afetar este setor vital para a coesão territorial e o desenvolvimento económico do arquipélago.
O
deputado João do Carmo, em representação do seu partido, afirmou que, desde
2016, se tem assistido a uma “completa desordem nos setores dos transportes
aéreos e marítimos”, qualificando o cenário vigente como “um verdadeiro caos”,
cujas repercussões têm sido, na sua opinião, “desastrosas para a economia
nacional” e para os cidadãos que aspiram exercer o seu direito fundamental à
liberdade de circulação.
Segundo
o parlamentar, essa liberdade traduz-se na possibilidade concreta de “ir e
vir”, isto é, de se deslocar entre as ilhas e de regressar, seja para visitar
familiares, tratar de negócios ou assegurar o escoamento de produtos agrícolas
sem prejuízos. Contudo, asseverou que esta mobilidade tem sido inviável “devido
a políticas desastrosas implementadas”.
No
decurso da sua intervenção, João do Carmo criticou veementemente a decisão
governamental de concessionar, de forma “unilateral, sem envolvimento da
sociedade civil e sem qualquer transparência”, o mercado dos transportes
marítimos inter-ilhas a uma empresa estrangeira, em regime de exclusividade,
por um período de 20 anos. Classificou o acordo como “um contrato leonino”,
celebrado “à porta fechada” e sem consulta pública, comprometendo, na sua
óptica, “o presente e o futuro da mobilidade entre as ilhas”.
Para
o deputado, trata-se de “uma afronta à boa gestão dos dinheiros públicos”.
Acrescentou que através de uma adenda contratual, o Governo terá “premiado” o
fraco desempenho da concessionária, duplicando a compensação financeira de 750
mil para 1 milhão e 500 mil contos, além de garantir uma remuneração adicional
de 10% sobre a faturação. Neste contexto, exigiu esclarecimentos sobre os
navios prometidos, a prestação de contas ao povo cabo-verdiano, a implementação
de um sistema de transporte aéreo regular, eficiente, seguro, acessível e de
qualidade, bem como sobre os contratos de ‘leasing’ “lesivos” para o país e o
atual estado de avaria das aeronaves.
Em
resposta, o deputado Carlos Santos, do MpD, refutou as críticas, recordando
que, em 2016, o Governo encontrou a TACV em situação de pré-falência, com
dívida acumulada, aeronaves ameaçadas de serem retomadas por falta de pagamento
e a companhia classificada como risco orçamental. Destacou que foi então
realizado um diagnóstico rigoroso e lançadas medidas de reestruturação,
entretanto interrompidas pelos efeitos da pandemia da COVID-19, cuja gravidade,
segundo frisou, é frequentemente ignorada pela oposição.
Carlos
Santos criticou a abordagem que incide exclusivamente sobre os custos,
desconsiderando as receitas e os ganhos estruturais. Sublinhou que, mesmo com
os encargos do ‘leasing’, os prejuízos registados foram inferiores aos
acumulados entre 2011 e 2016. Realçou ainda a aprovação de legislação sobre o
serviço público de transportes, a adoção de uma política tarifária favorável às
ilhas com menor procura e a criação das Linhas Aéreas de Cabo Verde, medidas
que, na sua visão, começam já a produzir efeitos positivos.
Por sua vez, o deputado António Monteiro, da UCID, considerou a situação dos transportes “gravíssima” e imputou responsabilidades aos sucessivos governos do MpD e do PAICV ao longo dos últimos 30 anos. Sublinhou que, sendo Cabo Verde um arquipélago, é inadmissível que o país continue a enfrentar obstáculos tão significativos na mobilidade inter-ilhas e com o exterior. Criticou duramente o défice de profissionalismo e de compromisso político, defendendo que a superação do problema exige a nomeação de pessoas verdadeiramente competentes e a responsabilização efetiva pela obtenção de resultados. Enfatizou que é “imperativo” resolver, de uma vez por todas, esta problemática estrutural, alertando que, passados quase 50 anos de independência.